quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Triangular

quando menino gostava de inventar histórias de aventuras
propor fugas fugazes aos meus amigos, explorar terrenos esquecidos, terras de ninguém
gostava de acordar bem cedo e ver o fim do jornal antes dos desenhos
de inventar os clubes mais bobos possível e assistir trilogias de terror com os mais medrosos

quando rapaz gostava de ficar sozinho à noite
me balançar numa rede e ouvir qualquer mpb sentimental que eu tivesse
gostava de expurgar minha raiva e minha tristeza enquanto dançava
de pensar que tinha um amigo e um sonho em cada lugar da cidade

na escola eu não queria saber mais do que ninguém, queria apenas fazer parte
na rua queria inovar em cada brincadeira antiga e tradicional
na cidade da minha avó ser o menino mais louco
nas férias na praia o melhor jogador de sinuca e contador de histórias na madrugada

anos e anos e anos e fui me misturando, sendo tudo que era, não sendo mais, me tornando algo novo, algo duro, quase amargo
"casca grossa, mas por dentro o recheio é macio e quente" você disse
no ir e vir de todas as sensações encontrei uma espécie de segurança pedante em relação a quem eu era, ao que eu conseguia fazer quando realmente queria alguma coisa, me apoiei na habilidade de me fazer desejado, atraente, objetivo
em contrapartida, no ir e vir de tantos sentimentos passei a acreditar que eu não merecia ser amado
que não era bom o suficiente para fazer alguém ficar, para ser visto por inteiro, para ser totalmente honesto

hoje eu consigo ver além dos véus que cobriam meus olhos
consigo perceber o que ignoro e ao que me apego, um punhado grande de tolices
hoje permito a honestidade com quem for, mais vale uma gentileza que um joguinho
hoje sei que mereço tudo, que não preciso me apoiar no que é superficial, mas apenas ser de verdade
hoje não quero sumir, quero somar
não quero quem vem pela metade, quem inventa desculpas,

quero o que vem livre, por inteiro, de bom grado
quero o que some e não suma
quero o que é doce e me faz doce
quero o que me sorri e me faz sorri de volta
quero o que faz eu me perder no tempo e se perde junto comigo
quero o que se faz presente, como um presente
quero o que me torna uma pessoa melhor

quero
e quando não tenho, apenas sou, sem amargor, sem ignorância ou apegos
eu, menino, homem, menino

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